Há exatos 10 anos - no dia 23 de outubro de 2005, depois de um intenso debate popular, 59 milhões de brasileiros (64% dos eleitores) foram às urnas e rejeitaram a proibição da venda de armas de fogo e munições em um referendo. Ao não permitir que o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) entrasse em vigor, a maioria da população esperava ter a opção de comprar armas para a defesa própria, mas esbarrou na burocracia. Muitos anos depois, uma comissão especial da Câmara dos Deputados discute um projeto de lei que pretende atender ao resultado do referendo e facilitar o porte.
O deputado Rogério Peninha Mendonça, de Santa Catarina, quer acabar com o caráter discricionário na emissão do documento — ou seja, que um servidor da Polícia Federal tenha autonomia de conceder ou não a licença, mesmo que se cumpram exigências pré-definidas — e transferir para a Polícia Civil a emissão do porte. O projeto de lei deve ser votado no primeiro semestre de 2015.
— Houve um golpe na opinião pública. A pessoa deve ter o direito de se armar. O espírito da lei era diminuir a criminalidade, só que o que vemos é exatamente o contrário em todos os Estados — defende o parlamentar.
De acordo com sua proposta, quem quiser comprar legalmente uma arma deve ter no mínimo 25 anos, não possuir antecedentes criminais, fazer treinamento de manuseio e tiro antes e não responder a processos. Além disso, terá de ser submetido a um exame psicológico. Hoje, além desses critérios, o interessado precisa entregar uma declaração mostrando a "efetiva necessidade" de uso da arma, o que seria vetado pela nova lei.
— Como a PF pode olhar e dizer que uma pessoa tem cara de bandido e negar a compra, como ocorre atualmente? Isso tem o objetivo claro de barrar a indústria — argumenta Mendonça.
Milhões de armas ilegais
Dados do Ministério da Justiça apontam que as campanhas de desarmamento retiraram de circulação aproximadamente 500 mil armas de fogo de civis. Porém, cerca da metade das 16 milhões de armas existentes entre a população não está registrada no Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Com o passar dos anos, ressalta o governo, as pessoas deixaram de renovar a licença e podem ser presas por porte ilegal, cuja pena chega a até quatro anos de detenção.
Outro problema é que, sem o registro ativo, a tendência é buscar formas clandestinas de adquirir munições. Por isso, entidades como o Movimento Viva Brasil pedem a revisão da Lei do Desarmamento, já que, na prática, ela não estaria surtindo nenhum efeito para conter o crime:
— O bandido não precisa da venda legal para se abastecer. Ele compra o que há de melhor no mercado paralelo e sabe que não terá uma reação da vítima. O referendo não foi respeitado — afirma Bene Barbosa, presidente da ONG.
Já o coordenador da ONG Convive, Francisco Régis, defende as barreiras de acesso às armas e critica a ideia de uma sociedade que reage à violência com mais violência:
— O referendo foi importantíssimo porque trouxe o debate da segurança pública. Infelizmente, a forma como ele foi constituído prejudicou a discussão. O certo era dizer não efetivamente às armas de todas as formas. A vitória do referendo é alertar para o controle de um dos vetores das mortes e tragédias. Precisamos defender esse avanço.
Números de guerra
Em 2012, 154 pessoas morreram, em média, por dia no Brasil. No total, foram 56.337 pessoas que perderam a vida assassinadas no ano — 7% a mais do que em 2011. Os dados são do Mapa da Violência 2014, que mostra um crescimento de 13,4% nos registros de homicídios em comparação aos números de 2002. O percentual também é maior que o crescimento da população total no país: 11,1%.
Ao todo, ao longo dessa década, morreram 556 mil pessoas vítimas de homicídio, "quantitativo que excede largamente o número de mortes da maioria dos conflitos armados registrados no mundo", destaca o texto. Comparando 100 países que registraram taxa de homicídios, entre 2008 e 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes, o estudo conclui que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking dos analisados.
Por Tenente Fábio
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