Dez anos após o Estatuto do Desarmamento entrar em vigor, e da campanha
que se seguiu no ano seguinte, analisados dados da Polícia Federal, constata-se
que a procura de armamento por civis, no Estado de São Paulo, teve crescimento
impressionante: de 22 armas comercializadas em 2004, o número chegou a 1.283 no
ano passado. Um aumento de 5.732%. Foram os civis, e não quem trabalha com
segurança pública ou privada, que mais compraram armas novas no país: são deles
64% desses registros (não entra nessa estatística a comercialização de arsenal
usado).
O povo acordou: e mesmo timidamente, viu que armas são um instrumento de defesa! |
"Abre essa droga!",
grita o ladrão, forçando a porta a pontapés. Do lado de dentro da casa, em
Cotia (Grande São Paulo), está o analista de software Fernando, 32, sua mulher,
a dona de casa Luciana, 26, e seus dois filhos, uma menina de 2 anos e um
menino de 8.
São 23h30 quando Fernando chama a
polícia. Três assaltantes arrombam a porta usando machado e facão. Querem
dinheiro. Após 20 minutos a viatura chega, e começa o tiroteio. Um invasor
morre, dois fogem.
O casal não é exceção.
Objetos de desejo para gente como
o seu vizinho ou o designer gráfico Mário, 30, que dá tapinhas em sua pistola,
chamada de "amiguinha".
Ele nunca foi vítima de
violência. Mesmo assim, quando trocou a casa dos pais por um apartamento na
Saúde (zona sul), achou "legal ter uma arma" e está atrás da
documentação exigida para comprar uma pistola --atualmente, ele só manuseia a
do clube de tiro.
"Você começa a morar sozinho
e vem uma insegurança", diz o designer. "Penso nisso: ó, tem alguém
tentando entrar, tenho essa minha amiguinha aqui que vai me dar um 'help'. Será
alvejado com certeza."
A psicóloga Alice Maria Garcia,
47 --credenciada pela PF para dar laudos psicológicos a quem solicita uma
arma-- calcula que 90% são homens, de classe média alta (como Mário).
Avalia três em cada dez pacientes
como inaptos para ganhar a posse.
No dia da entrevista, Alice deu
dois vetos. Quem é rejeitado tem de esperar 30 dias para refazer o teste com
outro psicólogo. "A gente explica que, com quadro de depressão ou
impulsividade, você pode acabar usando a arma contra você ou alguém."
Alice tem colegas psicólogos que
sofreram ameaças verbais e até perseguição após atestarem inaptidão.
O publicitário Adriano, 30,
esperou oito meses para conseguir o "ok" para adquirir uma arma. Já
gastou R$ 10 mil em aulas de tiro e com a papelada necessária para ter a posse
de uma pistola calibre 380 (R$ 2.500).
Adriano teve a família feita
refém em um assalto dentro de casa (prefere não dizer o bairro). O tio dele,
empresário, passou a usar carro blindado após ser baleado em uma tentativa de
assalto, há seis meses.
"A gente tenta se proteger
da forma que está à disposição, até onde nosso dinheiro alcança", afirma.
Para o sociólogo Sérgio Adorno,
61, coordenador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, "a
consequência de uma população armada é grave". "Você pode revidar nas
situações mais arbitrarias possíveis e imagináveis. Isso significa o quê? Que
vamos instituir uma espécie de guerra de todos contra todos. Aquele que tiver a
arma mais poderosa vai matar mais e vai se sentir mais protegido."
Restrições
Em 2003, o Estatuto do
Desarmamento fez várias restrições: proibiu o porte, elevou de 21 para 25 anos
a idade mínima para a posse e passou a exigir teste psicológico e comprovação
(por meio de um clube de tiro) de capacidade técnica para atirar.
É ilegal andar com arma na
cintura ou no carro: fica proibido o porte para civis, salvo em casos
excepcionais --quando há risco à sua integridade física (juízes sob ameaça, por
exemplo).
É a Polícia Federal quem autoriza
(ou não) o civil a manter uma arma em casa ou no trabalho (caçadores,
atiradores esportivos e colecionadores recorrem ao Exército).
Fernando e Luciana, de Cotia,
aguardam o aval. Ela, que no começo não gostou de apertar o gatilho, acabou
"pegando gosto" nas aulas.
"Fiquei me imaginando na
cena do assalto. A história muda. Não é aquela sensação submissa", diz
ele.
Segundo balanço do Exército, há
52 associações de tiro regulares no Estado de São Paulo --16 na capital.
Um curso básico custa no mínimo
R$ 500 e pode durar quatro horas ou até dois dias. O aluno deve ter mais de 18
anos e apresentar atestado (negativo, claro) de antecedentes criminais.
Na opinião de Clóvis Aguiar, 48,
presidente do clube Isa, os anos 1980 eram mais problemáticos. "O cidadão
mal sabia atirar, guardava a arma no armário. Hoje, não. A informação via
internet globalizou."
Aguiar diz que a maioria dos seus
alunos são empresários atrás de defesa pessoal, mas que acabam adotando o
"bangue-bangue" como esporte.
Caso do designer Mário, que atira
para "desestressar" num clube na zona oeste. "Descarrego 50
munições e saio leve, igual boxeador com um saco de pancadas", diz, dando
socos no ar.
A tipógrafa Marina, 32, define o
tiro esportivo como "terapia". Apaixonada pela modalidade, tatuou uma
bala no braço esquerdo.
O hobbie já lhe causou dor de
cabeça. "Falava para os meus amigos. Postava uma foto ou outra no
Facebook. Mas tive que parar. Passaram a me acusar de fazer apologia a
armas", conta Marina.
Ela diz que é contra a posse de
arma no dia a dia.
Diverge dela Nelson de Oliveira
Junior, 59, presidente da Academia de Tiro Centaurus (1.110 associados).
"As pessoas querem ao menos ter o direito básico à legítima defesa." "Todos estão sendo atingidos
por esse desequilíbrio entre o cidadão de bem e o marginal. Então, vêm desde a
classe A até a classe D", afirma.
Mancha no nome
Segundo o presidente da Federação
Paulista de Tiro Prático, Roberto Saldanha, 59, é preciso "discutir as
consequências de uma pessoa tirar a vida de alguém". "Ela vai responder
criminalmente. Se o cara ia te roubar R$ 500, quanto você vai gastar para se
defender [na Justiça]? E ganha um 'x' no nome para o resto da vida".
Ainda assim, foi a preocupação
com a defesa pessoal que motivou o gerente administrativo João a mentir para
entrar num clube de elite. "Respondi que queria fazer o
curso só para praticar. Não falei a real porque não me senti à vontade." João, que mora nos Jardins (zona
oeste), passou por tentativa de sequestro. O pai, empresário, já teve uma faca
contra a barriga. Hoje, a casa da família é vigiada por 16 câmeras.
Não há estudos conclusivos que
apontem se ter uma arma de fogo ajuda na proteção à criminalidade. E vemos
todos os dias bandidos andando armados (?) para se sentirem mais seguros (!)
durante um assalto, sequestro-relâmpago ou num provável confronto com a
polícia, ou... contra uma reação de um cidadão desarmado, ou... armado!!!
Porte
É proibido andar com arma no
Brasil. Levá-la no carro também. Só vale se a PF entender que a pessoa exerce
profissão de risco (como segurança de carro forte) ou está sob risco de vida.
Policiais e militares são exceção
Posse
O registro para civis é emitido
pela PF por meio do Sistema Nacional de Armas. O proprietário fica autorizado a
ter o equipamento em casa ou no trabalho --e mantê-lo lá. Caçadores,
atiradores esportivos e colecionadores recorrem ao Exército --para transportar
a arma (sem munição), ganham uma "guia de tráfego"
Clubes de Tiro
A repórter viu que isto é um esporte de cidadãos. Bandidos são os ilegais! |
Há 52 clubes de tiro registrados
no Estado de São Paulo (16 deles na capital). No Brasil, eram 724 associações
do tipo em 2012. Em 2004, foram registradas 441. O aumento é de 64%.
Para 82% dos paulistanos, a
violência aumentou de um ano para cá. A pesquisa foi feita em junho pelo
Datafolha, com 815 entrevistados de todas as regiões da cidade.
Segundo dados do Exército
Brasileiro, Datafolha, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Ministério da
Saúde, Congresso americano e UNODC (Escritório da ONU sobre Drogas e Crime), em
2004, na primeira Campanha do Desarmamento, 300 mil armas foram entregues no
Brasil. Em 2012, só 27 mil.
No Estado de São Paulo, reduziu
23% de 2011 para 2012: de 10.234 armas devolvidas para 7.877.
De cinco anos para cá, houve um
boom de armas nas mãos de civis. O registro cresceu 376% no Brasil: de 3.913
(2007) para 18.627 (2012).
Nos últimos dez anos, os
'cidadãos comuns' foram responsáveis por 64% (117.442) dos registros de armas
novas no país. O restante foi destinado a segurança privada e pública
(policiais civil e militar, excluindo Forças Armadas).
O Brasil tem 16 milhões de armas
de fogo, estimando as ilegais. Em 2010, foram 38 mil mortes por tiro.
Nos Estados Unidos, são 300
milhões, de acordo com o Congresso. No mesmo ano, foram 10 mil mortes por armas de fogo.
O preço médio de um revólver, nos
Estados Unidos, é US$ 75 (R$ 170).
No Brasil, não sai por menos de
R$ 1.200 (no mercado legal).
Infelizmente... para alívio dos bandidos...
O desarmamento só aumenta a confiança dos bandidos
ResponderExcluirO desarmamento foi um ótimo presente que o PT deu aos bandidos. Quem defende o desarmamento eh AMIGO DE BANDIDO.
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